quarta-feira, 9 de julho de 2014

Violência Doméstica

Violência Doméstica na Austrália?

Mentira.

Que brasileiro morando na Austrália vai contar uma blasfêmia destas? 

Pois é, este é um assunto que venho pesquisando faz tempo para escrever aqui, porque tenho visto cada vez mais nos noticiários toda semana mas só agora os australianos estão resolvendo assumir como uma epidemia.

Dá para acreditar? Como é que num país como este, de primeiro mundo (faço questão de repetir isto sempre) existem tantos casos de violência doméstica numa sociedade toda de classe média para cima e educada? 

Violência doméstica
Dêem só uma espiada nisto aqui: mais de 27.000 ataques domésticos foram reportados à polícia no ano passado no estado de NSW, cuja capital é Sydney, numa média de 74 ataques por dia.

O maior número de ataques ocorre no interior, pelo mapa estatístico publicado pelo jornal online Sydney Morning Herald (http://www.smh.com.au/comment/smh-editorial/time-to-act-on-domestic-violence-20140307-34cqt.html), lá no "bush", na área noroeste do estado, quase deserto, onde mais de 1.500 ataques ocorrem para cada 100.000 habitantes. A quantidade vai caindo quando vamos nos aproximando do litoral.

Do editorial do link acima, traduzi o seguinte trecho contundente:
"Nas sombras, atrás das cortinas, na escuridão da noite. Nas mentes perturbadas daqueles que dizem que a amam, nos hematomas que você disfarça e esconde. Das misteriosas profundezas do abandono, em desespero para escapar. Na solidão do vazio, paralisada de medo. Nos escuros dias frios você permanece, pelo bem das crianças. Quando estará segura?
A violência doméstica arruina vidas. Em cada caso confirmado, mais vítimas morrem envolvidas no silêncio e outro sem número se submete à tortura diária de não saberem quando irá acontecer de novo.
Com muita frequência nós, vizinhos, família, amigos e colegas australianos falhamos em não enxergar. Pior ainda, fazemos de conta que não enxergamos."

O Australian Bureau of Statistics (Bureau de Estatísticas da Austrália)
descobriu que mais de 60 por cento dos casos de violência doméstica
não são denunciados
Uma mulher morre toda semana por causa de violência doméstica na Austrália, diz a reportagem de março de 2014. No estado de New South Wales, uma mulher é hospitalizada a cada 3 horas e no país 1,6 milhões de mulheres já experimentaram violência doméstica pelo menos um dia em suas vidas. 24 mulheres foram mortas no ano passado por incidentes relacionados a violência doméstica. De todos os homicídios no estado de NSW, 42% são domésticos. 

Ora, porque chamam de "violência doméstica"? Não seria violência masculina? Os comentários ao artigo do jornal pelos leitores descambou para uma guerra entre os sexos. Alguém mencionou o site "Campanha 1 em 3" ("One in Three", http://www.oneinthree.com.au/) como fonte do outro lado da medalha, o lado que diz que 1 em cada 3 casos de violência doméstica acontece também com homens.

Homens são vítimas também
O jornal Herald, por ocasião do dia da mulher em 2014, lançou uma campanha de um ano a fim de iluminar o povo e os líderes visando uma mudança relativa ao que se tornou uma tragédia nacional num país que se diz civilizado, tolerante e seguro. Pois isso não é o que todo brasileiro enche a boca para propagar?

Não fique calada, diga não à violência doméstica
A modificação de atitude visada significará repensar muitos dos mitos sobre o que uma minoria significativa de homens considera ser australiano: ser macho, forte, e provedor da família. Não poder mostrar sinais de fraqueza, não poder falar de emoções e não poder procurar ajuda. Auto-medicar-se é uma doença mental, e colocar a culpa nos outros por suas falhas é regra. Dois pesos e duas medidas é a atitude normal.

O grande estopim é a bebida...
O que diabo estas mulheres fazem pra merecer isso? Isso é o que meu marido pergunta. Eu digo que é a cultura masculina australiana da bebedeira. O bêbado não tem noção do que faz, e a cultura da bebida alcóolica na Austrália é dominante, tradicional e folclórica.

Pesquisa da Access Economics revela que cerca de 1,6 milhões de mulheres australianas experimentam violência doméstica em algum ponto.

Estas são apenas as estatísticas oficiais. Metade dos abusos não são denunciados.

96.000 mulheres australianas foram para o trabalho hoje
afetadas por violência doméstica
São as mães dos australianos, as filhas deles, as irmãs, esposas, namoradas, pessoas que trabalham na mesa ao lado deles. São pessoas reais em números absurdos, e não de ouvir falar, são pessoas do seu convívio. Tá com alguma parte do corpo roxa? Desconfie e não acredite nas desculpas esfarrapadas.


É inacreditável o que minha mulher pode fazer
com uma frigideira
Por baixo do verniz social da respeitabilidade dos dados demográficos, as mulheres estão sofrendo de abusos físicos, psicológicos, manipulativos e controladores como vítimas de predatores. O abuso provém de um tipo de pensamento que culpa a vítima e não respeita o parceiro do outro gênero, a outra cultura, o outro estilo de vida ou simplesmente a fraqueza e dependência do outro.

Crianças estão sendo atacadas, traumatizadas e usadas como armas. Mudar isso vai exigir confrontar a cultura de não se tocar no assunto.


As mulheres, em particular, tem medo de denunciar para não cairem no ostracismo e desolacão econômica. As testemunhas acham que é coisa privada e também temem represálias. Todos se calam por isso.

É preciso que as pessoas coloquem a boca no trombone a fim de protegerem as vítimas, levantando o véu do sigilo e da privacidade. É verdade que a mulher de hoje, economicamente independente, sabe que existem órgãos para ajudar quando o parceito torna-se abusivo. Algumas correm o risco de abrirem o verbo publicamente e se recusam a ficarem caladas. Mas só umas poucas pedem ajuda ou usam a ajuda das cortes jurídicas, ou da polícia, com medo de perderem a permanência em suas casas.

Ajuda telefônica 24 horas, 7 dias por semana
A maioria vive com medo de ser caçada pelo parceiro, se fugirem. Campanhas como a "Say No to Violence" (Diga Não à Violência) e "White Ribbon Day" (Dia da Fita Branca) tem ajudado a aumentar a preocupação social e mudar as atitudes de muitos homens, cujo papel em divulgar as mudanças para os amigos é fundamental. 


Homem de verdade não bate em mulher
Infelizmente, muitos culpados tem respondido em forma de se esconderem atrás de um problema mental, gerado por ciúmes regados a baixa-estima deles. Eles tentam destruir a auto-confiança das vítimas ao ponto em que cada um torna-se prisioneiro do outro, o dependente do algoz e vice-e-versa. Os indícios iniciais nestes casos são difíceis de serem identificados. Chega a um ponto em que mulheres são assassinadas sem nem mesmo terem sofrido nenhuma agressão física, dizem os pesquisadores, devido a este processo incidioso.

A agressão não precisa ser física
A mudança desejada na sociedade exige coragem para rejeitar os homens dando suas desculpas tradicionais: eles dizem que não acontecerá de novo, que estão estressados, pedem desculpas, e até choram. Muita mulher cai nessa. Não interessa, eles estão cometendo atos criminais indesculpáveis. 

Muitos apelam para uma raiva temporária e passam por cima do fato de que usam o controle financeiro como arma de punição.

Os australianos sempre culparam o comportamento embriagado dos maridos como norma. Muitos homens cresceram em famílias sem pulso com relação a isso, e muitas tem sido afetados seriamente por causa isso.

Se existe violência doméstica, as crianças denunciam
em seus desenhos escolares
As pesquisas mostram que crianças de famílias onde reina a violência doméstica tendem a repetir o padrão quando adultas. Tanto as mulheres procuram o masoquismo, quanto os homens tendem ao sadismo.

O problema se mantém através das gerações, mesmo apesar das novas leis contra o abuso de bebidas alcoólicas nas ruas que diminuiu a interferência delas nos ataques não domésticos.

Existe um termo comum relacionado à violência doméstica: falta de respeito. 

Violência doméstica leva a vida de uma mulher na Austrália
a cada semana, denuncia a polícia do estado de Victoria
Os modelos de comportamento na área esportiva estão sempre muito envolvidos com a falta de respeito às mulheres, e as crianças então copiam. A tarefa de conter a agressão a pessoas tem se tornada ainda maior com a entrada do "cyber bullying" (ofensas via internet e redes sociais), dificultando botar na cabeça destes jovens meninos se tornando homens que brigas podem ser resolvidas sem conflitos e choques de personalidade não precisam descambar para a violência.

Departamento regional da cidade de Cairns, estado de Queensland,
de apoio às vítimas de violência doméstica
O que a ministra da Família e dos Serviços Comunitários está fazendo é re-engenheirando as penas para os perpretadores de violência doméstica. 

Aí é onde mora o nó da Austrália.

Passos contra violência doméstica
Todo brasileiro sabe que educação vem de casa. Os australianos não sabem, coitadinhos. Ao invés de penalizar, eles precisam mais é educar, precisam ter autoridade moral e não física ou financeira, mas a tendência de todos estes países ditos afluentes é não atacar as fontes, mas as consequências, e com isso acabam penalizando todo mundo, os maus e os bons, tornando a sociedade injusta e insuportável.

A ministra Prudence Goward também pretende garantir que as vítimas não tenham que repetir suas histórias funestas centenas de vezes a fim de obterem ajuda, estabelecendo uma base de dados e gerentes de casos. Trabalhadores do serviço social acreditam que os australianos tem sido eficientes em manterem o silêncio com relação a violência doméstica, porque eles parecem não ter ouvido muita coisa a respeito.

Centro de Queensland para Pesquisa da Violência Doméstica
e em Família
Campanhas como a "Shine a Light" (Acenda uma Lâmpada) e "Herald and Daily Life" (O Herald e a Vida Diária) objetivaram tirar o país da idade média e tornar mais fácil para as famílias viverem em segurança, livres da violência doméstica.

    
Violência é inadmissível de qualquer maneira. Não estamos mais vivendo no tempo das cavernas. Porém o mundo inteiro ainda tem muito o que aprender.

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